Coluna - Um cientista no Japão (por Arthur Siqueira)
- Associação de Pesquisadores Brasileiros no Japão
- 4 de jun.
- 3 min de leitura
O Japão é um país muito conhecido por sua cultura rica e tecnologia de ponta. Eu comecei minha carreira científica no Brasil e a continuei no Japão. Mas afinal, como é ser um cientista no Japão? Como um bom carioca sem papas na língua, vou compartilhar um pouco da minha experiência no mundo acadêmico da terra do sol nascente.
Assim como no Brasil, o Japão tem universidades públicas e privadas. As universidades públicas, especialmente as nacionais, recebem a maior parte do financiamento para pesquisa. Eu sou biólogo e passo quase todo o meu tempo de trabalho dentro de um laboratório. A verdade é que adoro ficar no laboratório com meu ar-condicionado e meu chá, realizando pesquisas sem interrupções. Mas também admiro aqueles biólogos que são mostrados na TV explorando florestas, rios, oceanos e outros ambientes naturais. Eu já prefiro o conforto do meu laboratório. risos
Já trabalhei na Universidade de Tóquio e agora na Universidade de Tohoku, ambas universidades nacionais reconhecidas internacionalmente por sua excelência em ensino e pesquisa. Meu foco de estudo são os microrganismos do solo e suas interações benéficas com plantas de importância agrícola, como a soja. Por isso, de vez em quando, preciso ir a campos agrícolas e estufas.
Os laboratórios aqui são muito bem equipados e possuem todos os equipamentos necessários para a pesquisa. E caso o laboratório não tenha um equipamento específico, é muito comum utilizarmos os equipamentos de laboratórios vizinhos ou de outras instituições. A comunicação nesses casos é muito simples e não burocrática. Uma outra coisa muito incrível é quando precisamos comprar algo para o laboratório. Muitos vendedores de diversas empresas ficam "passeando" pelo departamento, distribuindo panfletos sobre promoções e novos equipamentos. Então, caso eu encontre um destes vendedores, posso fazer um pedido verbalmente sem precisar sair do laboratório. Geralmente, as compras chegam em poucos dias. As vezes até no dia seguinte.
Os laboratórios das universidades, assim como os do Brasil, estão disponíveis 24 horas por dia, 365 dias por ano. Estudantes sem experiência são aconselhados a estar presentes no core time, que é o horário comercial. Assim, caso aconteça algum problema, terão suporte do laboratório e da universidade. Um lado menos positivo desse acesso contínuo é que muitos japoneses acabam não conseguindo balancear bem o tempo de trabalho, e o famoso overwork (excesso de trabalho) se torna comum. Durante minha época de estudante, já fiquei no laboratório até 1h da manhã e já fui de madrugada para coletar dados de um experimento. E foi a partir do momento que comecei a descansar de verdade que minha produtividade aumentou significativamente. Um reflexo da cultura japonesa é que, infelizmente, aqueles que estão presentes no laboratório por mais tempo (mesmo sendo improdutivos) têm mais reconhecimento do que aqueles que permanecem pelo tempo ideal.
Apesar dessas pressões, as férias são concedidas, e eu sempre uso meus dias de férias principalmente para viajar ao Brasil. A maioria dos japoneses a minha volta não usam seus dias de férias pagas que acabam expirando ao longo do tempo. Triste realidade. Por conta disso o governo pressiona as universidades para que os seus funcionários tirem férias e caso isso não ocorra as universidades punidas financeiramente. Em que ponto chegamos não é mesmo?
Dentro do laboratório, você terá seu espaço para pesquisar e sua mesa para colocar seu computador. A interação com os membros do laboratório é menor comparada ao Brasil, mas sempre há ajuda, treinamento e conselhos no início. Na área de biológicas, muitos laboratórios ainda não são internacionalizados, então a comunicação é feita em japonês. Por isso, recomendo aprender japonês básico para comunicações cotidianas. Discussões de projetos, artigos científicos, e experimentos são feitas em inglês caso o estudante ou pesquisador não tenha nível suficiente de japonês.
E a vida fora do laboratório? Conversas sobre vida pessoal são raras, pois os japoneses são muito tímidos e preferem focar em assuntos acadêmicos e relacionados ao laboratório. Mas essa é apenas minha experiência; alguns laboratórios são mais sociais. Estudantes de mestrado costumam sair mais em pequenos grupos.
Participar de conferências é fácil, com suporte financeiro da universidade, permitindo viagens tanto no Japão quanto para outros países, embora as datas precisem ser alinhadas com os eventos. Coletas de material também são simples, com a universidade disponibilizando um carro para esse propósito.
Em resumo, os laboratórios no Japão são excelentes para o desenvolvimento de pesquisa. Entretanto, a falta de interação social pode ser um desafio. Muitos estrangeiros terminam seus projetos e deixam o Japão devido a essa falta de conexão. Portanto, se você deseja vir ao Japão para se tornar um pesquisador, é importante que seja apaixonado pela sua área de pesquisa, pelo Japão, aprenda japonês suficiente para se comunicar fora do laboratório e saiba lidar bem com momentos de solidão. Mas, com dedicação e paixão pela ciência, a experiência pode ser extremamente gratificante.
Arthur F. Siqueira. (Ph.D.)
Prof. Assistente – Tohoku University (Miyagi, Japan).
Laboratório de Microbiologia do Solo.
Maio de 2024
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